domingo, 13 de janeiro de 2008

A PAIXÃO

Tenho estado em grave coita

por um cavaleiro que tive,

e quero que para sempre se saiba

como o amei excessivamente;

agora vejo que sou traída

porque não lhe dei o meu amor

e por isso tenho estado em grande angústia

no leito e quando estou vestida.

Quisera ter o meu cavaleiro

uma noite, nu nos meus braços

e que ele se tivera por ditoso

só que eu lhe fizesse de almofada;

pois estou mais enamorada

que Floris esteve de Brancaflor:

entrego-lhe o meu coração e o meu amor,

o meu juízo, os meus olhos e a minha vida.


Formoso amigo, amável e bom,

quando vos terei em meu poder?

oxalá pudesse dormir convosco uma noite

e dar-vos um beijo amoroso.

Sabei que grande desejo teria

de ter-vos no lugar do marido

desde que me tivésseis jurado

fazer quanto eu quisera.


A Condessa de Dia viveu na segunda metade do séc.XII. Foi a mais ilustre das trovadoras provençais. Há dúvidas quanto à sua exacta identidade mas uma tradição identifica-a com a esposa do Conde Guilherme II de Poitiers e explica que se apaixonou perdidamente pelo também trovador Raimbaut d’Aurenga, a quem teria dedicado as suas canções. Na Provença desse tempo, amar o marido era sinal de grande descortesia e de falta de elevação espiritual, pois a contratualidade e conveniência económica que o casamento envolve não poderia conviver com o sentimento nobre e desinteressado do verdadeiro amor. Por isso, a paixão dava-se e vivia-se sem receio, como coisa que só obedece às suas próprias regras.