Depois de mais de um século de paz e progresso, o reino de Vitiza o Godo, começou a dar sinais de grande inquietação. Ficavam na memória dourada dos mitos as gloriosas batalhas com que os visigodos haviam avançado pela Hispânia, lançando dela fora os irmãos germânicos que os haviam precedido na conquista do mais apetecido extremo ocidental do império romano, rico de minério, de longas costas abundantes de peixe e de misteriosos e sagrados promontórios sobre o mar, a avistar terras que se estendiam para lá das águas do Mar do Meio da Terra e das do Mar Oceano, que Estrabão o Grego e Plínio o Velho descreviam como uma circular cintura de água em volta da Terra.
O poder e a riqueza sempre despertam múltiplas cobiças. Havia apenas 79 anos que nas areias escaldantes da Arábia morrera um novo Profeta, deixando aos seus descendentes a missão de conduzir todos os homens à veneração de Alá. Estendidos até aos limites da orla marítima, os muslims interromperam o seu ímpeto não por vontade mas pela lança de Julião, Conde visigodo, vassalo de Vitiza, por ele estabelecido como Senhor dos Portos de Ceuta com a missão de estancar para ocidente o fluxo da moirama. Julião cumpria com lealdade e valor a tarefa entregue, para a qual contava com a aliança dos berberes ribeirinhos aonde fora buscar a sua esposa.
No reino de Vitiza, onde os seus dois filhos ainda crianças cresciam à espera da cadeira imperial paterna, creciam também os murmúrios clandestinos da ambição. Nas ruas estreitas de Toledo, os grandes senhores espreitavam-se uns aos outros, dividindo-se em dois bandos hostis e arranjando cada um modos doces de chamar à aba das suas capas os pequenos príncipes, quando soasse a hora da sucessão. E ainda mal Vitiza acabara de agonizar quando o mais velho dos meninos se viu resgatado por um dos bandos, que para ele reclamava o trono, e o mais novo foi encaminhado para o outro bando, que lhe reclamava igual direito. E sobre isto houve grande contenda.
O que então se seguiu de disputas e ameaças de guerra é história de todos os tempos, sempre que os homens desejam poder mais do que a sorte lhes destinou. E alguns nobres godos, que ainda traziam nas épicas lembranças do seu passado guerreiro o gosto das soluções justas, reuniram cortes e acordaram escolher de entre si aquele que, por boa fama de cavalaria e justiça e honra, tomasse o regimento do reino, criasse os filhos de Vitiza como pertencia à sua condição e lhes devolvesse o trono e a coroa logo que a sua maturidade despontasse.
E acharam que havia um homem que, nobre e esforçado cavaleiro de muitas batalhas, de límpidos olhos, coração forte e destemida vontade, seria o melhor regedor que o reino poderia achar. O seu nome era Rodrigo. Unanimemente eleito, saíu Rodrigo do conselho investido da regência e conduziu-se ao palácio real, onde entrou levando pelo braço a sua esposa Eylata e aconchegando no seio os dois príncipes.
Confiantes, os Godos serenaram e depuseram as armas, que Rodrigo fez recolher e guardar numa sala fechada do palácio, proibindo terminantemente que outras novas fossem construídas. Decisão sensata, julgaram os cavaleiros, de senhor que ama a paz acima de todos os desamores. Na noite seguinte ao recolher das armas, Rodrigo enviou a casa dos anteriores partidos discordantes um corpo de cavaleiros armados, que silenciosamente mataram os pais e os filhos varões. De manhã, fez correr pregão nas ruas de Toledo, anunciando que os punidos haviam recusado entregar as armas e que, com a dureza necessária, se alcançara a pacificação do reino. Nos meses em frente, assistiu a Hispânia à mais firme onda de paz que se poderia esperar de um homem prudente. Todos os vassalos de Vitiza leais a seus filhos foram mortos ou desterrados. As suas esposas, filhas e filhos pequenos foram chamados à corte e recebidos condignamente, com as honras e bem-fazer devidos a quem nascera de alta condição. Os castelos que os vassalos de Vitiza assim deixavam desguarnecidos foram entregues a leais servidores de Rodrigo, até que nenhum homem ficou na Hispânia que de alta condição fosse que a não devesse à grada mercê do novo senhor.
À distante Ceuta as notícias chegavam tarde e levadas por mensageiros de Rodrigo, que garantiam estar o reino entregue à paz, depois de tomadas as medidas necessárias. Julião nada temia. Não podia ser substituído. Nenhum como ele alcançaria as mesmas alianças, devidas a laços de parentesco, que tinham até então garantido o entrave aos filhos de Ismael. Outro recado levavam ainda os mensageiros: Rodrigo chamava à corte a filha única do Conde Julião, Lataba, donzela de que por todo o lado se ouvia cantar maravilhas de graça e entendimento. Na corte – dizia Rodrigo – entre as nobres donzelas da sua esposa Eylata, a filha do Conde seria educada como princesa e ser-lhe-ia achado o esposo condigno, cristão e nobre, como ela não poderia achar em Ceuta, entre berberes e mouros. Julião apreciou o oferecimento. Coisa boa e proveitosa seria para a sua única filha, que sua esposa, a Condessa, criara com os desvelos de mãe mas longe da requintada cortesia que só em Toledo se poderia achar.
O poder e a riqueza sempre despertam múltiplas cobiças. Havia apenas 79 anos que nas areias escaldantes da Arábia morrera um novo Profeta, deixando aos seus descendentes a missão de conduzir todos os homens à veneração de Alá. Estendidos até aos limites da orla marítima, os muslims interromperam o seu ímpeto não por vontade mas pela lança de Julião, Conde visigodo, vassalo de Vitiza, por ele estabelecido como Senhor dos Portos de Ceuta com a missão de estancar para ocidente o fluxo da moirama. Julião cumpria com lealdade e valor a tarefa entregue, para a qual contava com a aliança dos berberes ribeirinhos aonde fora buscar a sua esposa.
No reino de Vitiza, onde os seus dois filhos ainda crianças cresciam à espera da cadeira imperial paterna, creciam também os murmúrios clandestinos da ambição. Nas ruas estreitas de Toledo, os grandes senhores espreitavam-se uns aos outros, dividindo-se em dois bandos hostis e arranjando cada um modos doces de chamar à aba das suas capas os pequenos príncipes, quando soasse a hora da sucessão. E ainda mal Vitiza acabara de agonizar quando o mais velho dos meninos se viu resgatado por um dos bandos, que para ele reclamava o trono, e o mais novo foi encaminhado para o outro bando, que lhe reclamava igual direito. E sobre isto houve grande contenda.
O que então se seguiu de disputas e ameaças de guerra é história de todos os tempos, sempre que os homens desejam poder mais do que a sorte lhes destinou. E alguns nobres godos, que ainda traziam nas épicas lembranças do seu passado guerreiro o gosto das soluções justas, reuniram cortes e acordaram escolher de entre si aquele que, por boa fama de cavalaria e justiça e honra, tomasse o regimento do reino, criasse os filhos de Vitiza como pertencia à sua condição e lhes devolvesse o trono e a coroa logo que a sua maturidade despontasse.
E acharam que havia um homem que, nobre e esforçado cavaleiro de muitas batalhas, de límpidos olhos, coração forte e destemida vontade, seria o melhor regedor que o reino poderia achar. O seu nome era Rodrigo. Unanimemente eleito, saíu Rodrigo do conselho investido da regência e conduziu-se ao palácio real, onde entrou levando pelo braço a sua esposa Eylata e aconchegando no seio os dois príncipes.
Confiantes, os Godos serenaram e depuseram as armas, que Rodrigo fez recolher e guardar numa sala fechada do palácio, proibindo terminantemente que outras novas fossem construídas. Decisão sensata, julgaram os cavaleiros, de senhor que ama a paz acima de todos os desamores. Na noite seguinte ao recolher das armas, Rodrigo enviou a casa dos anteriores partidos discordantes um corpo de cavaleiros armados, que silenciosamente mataram os pais e os filhos varões. De manhã, fez correr pregão nas ruas de Toledo, anunciando que os punidos haviam recusado entregar as armas e que, com a dureza necessária, se alcançara a pacificação do reino. Nos meses em frente, assistiu a Hispânia à mais firme onda de paz que se poderia esperar de um homem prudente. Todos os vassalos de Vitiza leais a seus filhos foram mortos ou desterrados. As suas esposas, filhas e filhos pequenos foram chamados à corte e recebidos condignamente, com as honras e bem-fazer devidos a quem nascera de alta condição. Os castelos que os vassalos de Vitiza assim deixavam desguarnecidos foram entregues a leais servidores de Rodrigo, até que nenhum homem ficou na Hispânia que de alta condição fosse que a não devesse à grada mercê do novo senhor.
À distante Ceuta as notícias chegavam tarde e levadas por mensageiros de Rodrigo, que garantiam estar o reino entregue à paz, depois de tomadas as medidas necessárias. Julião nada temia. Não podia ser substituído. Nenhum como ele alcançaria as mesmas alianças, devidas a laços de parentesco, que tinham até então garantido o entrave aos filhos de Ismael. Outro recado levavam ainda os mensageiros: Rodrigo chamava à corte a filha única do Conde Julião, Lataba, donzela de que por todo o lado se ouvia cantar maravilhas de graça e entendimento. Na corte – dizia Rodrigo – entre as nobres donzelas da sua esposa Eylata, a filha do Conde seria educada como princesa e ser-lhe-ia achado o esposo condigno, cristão e nobre, como ela não poderia achar em Ceuta, entre berberes e mouros. Julião apreciou o oferecimento. Coisa boa e proveitosa seria para a sua única filha, que sua esposa, a Condessa, criara com os desvelos de mãe mas longe da requintada cortesia que só em Toledo se poderia achar.
Em Toledo, Rodrigo alcançava o domínio da cidade. Não se ouvia uma voz que murmurasse , não se encontravam olhares sinuosos entre as torres do castelo. Serenamente, como pertence a homem seguro de si, Rodrigo mandou preparar a sua coroação e aclamação como rei. A festa que durante uma semana fez correr por todas as vilas e cidades do reino deixou grata lembrança entre os novos súbditos. Nunca tal rei, tão generoso e feliz, se vira! E, como todos sabem, a felicidade do rei atrai a benevolência divina sobre o seu povo. Correu o ouro pelas ruas, distribuído aos pobres, os bois assavam-se nas praças e as mesas franqueavam-se a todos os que se acercassem. Tão exquisitas iguarias nunca haviam sido provadas e os jograis e bailarinas cantavam e bailavam pela noite dentro, numa alegria que parecia não ter fim! Os filhos de Vitiza acompanhavam o novo rei e sorriam a seu lado, como meninos a quem Deus dera um novo pai. Que felizes os Godos, por tal rei lhes ter sido enviado por Deus!...