Túndalo não saberia dizer quanto tempo levou na subida. Esqueceu-se de quase tudo enquanto caminhava. Nem da presença do anjo se dava conta, a menos que ele o tivesse abandonado finalmente, o que não o inquietava nada. Quanto mais subia maior era a claridade que o iluminava e o único desejo que sentia era o de encontrar não sabia o quê, qualquer coisa que parecia faltar mas não se podia definir. Como uma sede que não era de água ou uma fome que não era de pão ou uma paixão que não era de braços.
Por fim vislumbrou claramente uma alta muralha que circundava o topo da montanha, encerrando o cume como um colar que debruasse o colo de uma virgem. Mas não eram pedras comuns, as que formavam a muralha, eram peças de jaspe intenso. Não ficou surpreendido ao encontrar na muralha uma porta nem que a porta não estivesse fechada como se estivessem à sua espera. Era de ouro maciço mas leve como uma pena, deixou-o passar sem nenhum entrave e Túndalo achou-se do lado de dentro. Abriu os olhos e viu. Era e não era um jardim. Era e não era primavera. Era e não era feliz. As flores que se estendiam por campos sem fim tinham cores estranhas e formas que nunca vira. Os lagos tinham os mais puros reflexos de cristal e o céu um azul praticamente impossível. Mas quando estendeu as mãos para colher algumas pétalas, elas atravessaram-lhe os dedos e não se deixaram cair. Mergulhou a mão em concha na água mas ela nem o molhou. Sorriu porque não tinha sede e não fazia mal. Não sentia a alegria que deveria sentir, porque não se lembrava de nenhuma tristeza. Começou a andar e em breve encontrou muitos como ele, mas vestidos de branco, sentados no chão.Escutavam uma música parecida com o assobio do anjo e nada mais lhes despertava a atenção. Avançou até encontrar um bom lugar para se sentar, amparado no tronco de uma árvore. Sentou-se. Aquele parecia ser o lugar mais alto da montanha, o pico do cume, de onde já não se podia subir mais. Os olhos abriram-se-lhe sozinhos e viu. Viu todas as razões, todas as coisas para ter certeza, todos os modos de ser e de fazer. Soube a resposta a todas as perguntas e todas as histórias do princípio e também as do fim. Viu todas as regras que fazem mover coisas e todos os movimentos que se movem sem regras. Soube todos os quandos e comos e porquês. Os olhos cresceram-lhe até que todo o corpo mais não era do que olhos. E soube que era bem.
- Túndalo... - ouviu chamar, em voz doce. Não respondia. Não tinha boca, só olhos.
- Túndalo... - repetiu a voz. Sem se mover, acabou por perguntar:
- O que é?
- Temos de ir - disse a voz.Os olhos semicerraram-se e subiram-lhe ao rosto de novo, a ocupar o seu lugar. Contrariado, virou-se para ver quem chamava. Era o anjo, claro! Tinha de ser o anjo!
- O que queres? Deixa-me estar! Já cheguei!
- Não - disse o anjo - Tens de voltar, anda!
- Que queres dizer com voltar? - perguntou espantado - Não me trouxeste aqui? Não é aqui o meu lugar? Não estou já cá?
- Não - disse o anjo, estendendo-lhe a mão - Foste trazido mas não é ainda altura de ficares. Tens de voltar à tua casa e refazer tudo o que fizeste até hoje.
- O quê ?! Mas então ...
- Vamos! Voltarás mais tarde, daqui a muito tempo. Ou não...
O anjo obrigou-o a levantar e ainda mal tinha dado dois passos contrafeitos e já via fechar-se-lhe nas costas a porta da muralha. Não pudera dizer mais nada. Já tudo tinha ficado para trás. Ao terceiro passo estava de volta às ruas da sua cidade e amanhecera. Sentiu frio e uma incontrolável necessidade de dormir. As vendedoras do mercado arrastavam penosamente as suas cargas e passavam cavaleiros martelando as pedras das ruas. As casas tinham um tom pardo e húmido, enfileiradas obliquamente até desembocarem na sua casa, lá ao fundo. Dirigiu-se para lá e entrou. Os servos acorreram a recebê-lo e trataram de o conduzir ao leito. Túndalo dormiu sem acordar durante três dias seguidos. Chamaram o físico para que lhe tomasse o pulso mas nesse mesmo dia voltou a abrir os olhos, sorriu, e pediu alguma coisa para cortar o jejum.
- Tive um sonho - comunicou - foi bonito, depois de ter sido muito assustador. Se pudesse saltar a primeira parte, bem gostava de o sonhar outra vez.
- Túndalo... - ouviu chamar, em voz doce. Não respondia. Não tinha boca, só olhos.
- Túndalo... - repetiu a voz. Sem se mover, acabou por perguntar:
- O que é?
- Temos de ir - disse a voz.Os olhos semicerraram-se e subiram-lhe ao rosto de novo, a ocupar o seu lugar. Contrariado, virou-se para ver quem chamava. Era o anjo, claro! Tinha de ser o anjo!
- O que queres? Deixa-me estar! Já cheguei!
- Não - disse o anjo - Tens de voltar, anda!
- Que queres dizer com voltar? - perguntou espantado - Não me trouxeste aqui? Não é aqui o meu lugar? Não estou já cá?
- Não - disse o anjo, estendendo-lhe a mão - Foste trazido mas não é ainda altura de ficares. Tens de voltar à tua casa e refazer tudo o que fizeste até hoje.
- O quê ?! Mas então ...
- Vamos! Voltarás mais tarde, daqui a muito tempo. Ou não...
O anjo obrigou-o a levantar e ainda mal tinha dado dois passos contrafeitos e já via fechar-se-lhe nas costas a porta da muralha. Não pudera dizer mais nada. Já tudo tinha ficado para trás. Ao terceiro passo estava de volta às ruas da sua cidade e amanhecera. Sentiu frio e uma incontrolável necessidade de dormir. As vendedoras do mercado arrastavam penosamente as suas cargas e passavam cavaleiros martelando as pedras das ruas. As casas tinham um tom pardo e húmido, enfileiradas obliquamente até desembocarem na sua casa, lá ao fundo. Dirigiu-se para lá e entrou. Os servos acorreram a recebê-lo e trataram de o conduzir ao leito. Túndalo dormiu sem acordar durante três dias seguidos. Chamaram o físico para que lhe tomasse o pulso mas nesse mesmo dia voltou a abrir os olhos, sorriu, e pediu alguma coisa para cortar o jejum.
- Tive um sonho - comunicou - foi bonito, depois de ter sido muito assustador. Se pudesse saltar a primeira parte, bem gostava de o sonhar outra vez.