sábado, 14 de novembro de 2009

Teias da memória

Depois de um longa tarde de espanador e esfregona epicamente em punho, sentei-me no meu sofá, confortavelmente, e puxei para mim o último romance barato publicado pela Sábado: Susan Sontag, O Amante do Vulcão.
Belo fim de tarde, sem ponta de pó à minha volta. Ah! que merecido descanso! Relanceei os olhos pelos cantos do rodapé e pelas sancas do tecto, satisfeita.

Mas... o que seria aquilo, ali no esconso vértice da parede mesmo à minha frente, junto à janela? Uma teia de aranha?! Como é possível, depois de tanta batalha?

E eis que me embala a voz da minha avó, por entre as chamas da lareira.


Era uma vez uma mulher que tinha duas filhas, e criou-as no asseio e na poupança para que não lhes faltassem bons partidos nem boas casas.
Quando elas casaram, a mãe disse-lhes:
– Daqui a um ano vou visitar-vos e quero ver todas as varreduras do chão e todas as lavaduras da loiça de um ano inteiro!
As moças lá foram, cada uma para o seu destino. Ao fim de um ano, a mãe foi visitar a primeira filha. Encontrou-a com o seu marido e uma criança ao peito.
– Onde estão as varreduras do chão e as lavaduras da loiça? – perguntou.
– Venha, minha mãe!
E mostrou-lhe um belo par de galinhas, que tinha alimentado com as migalhas que tinham caído no chão, e um porco engordado com os restos deixados na loiça.
– Muito bem, minha filha! – disse a mãe – vejo que és uma rapariga esperta e trabalhadora!
A seguir foi visitar a outra filha. Bateu à porta chamando por ela.
– Minha mãe? – gritou a filha lá de dentro – venha de pedrinha em pedrinha, não se atasque!
A casa estava submersa em lixo e a filha sentada num canto a chorar sozinha porque o marido a tinha abandonado. Quando a mãe entrou, disse-lhe ela:
– Vê, minha mãe, como fiz tudo como me disse?...


Os contos populares são umas coisas perversas e cruéis. Porque contavam estas coisas às crianças? Abanei a cabeça suspirando, instalei-me melhor no sofá e abri o livro.

Espera lá ... para que poderá servir uma teia de aranha?