Só as estevas florescem nestas serras, Laura, para que me falas de amarílis? Trouxe no bolso a tua carta durante dois dias, antes que vencesse a minha vontade de silêncio para te escrever. Que mal me fizeste, Laura, trazendo de volta a estas fragas memórias e desejos que venci cansando os meus olhos nas pedras rudes e os meus ouvidos nos cantares agrestes desta gente! Tem sido essa a minha música e aprendi a gostar deste canto de anciãs fiando toda a noite e invocando em notas estranhas e voz rouca o fogo, queimador da vida e alimentador das paixões. Habituei os sentidos às ladainhas e ao toque exagerado dos sinos, falando de colina para colina num redobro de falas que, nos primeiros tempos, quase me enlouquecia.
Estou em paz, Laura. Aqui, neste canto perdido do mundo, não há desassossego que me possa vir. Respeitam-me o suficiente para não me deixarem só mas, sendo estrangeira, não se aproximam o suficiente para me magoarem. As crianças são rudes, mas aprendem com gosto. O único piano que existe perto é um velho piano desafinado, na igreja da vila próxima. Soam tão mal as notas que nunca tive a tentação de me aproximar para tocar. De resto, som de piano é coisa espúria nestes lugares de penedos e estevas, onde o amanhecer é que é uma sinfonia grandiosa de luz ardendo a terra e terra exalando no ar sons de corpo vivo agarrando os pés dos homens!
E vens tu falar-me em voltar? Vens tu fazer-me responsável pela loucura de Verlanda? Sou eu mais responsável do que qualquer outra de nós? Porque tenho que curar as loucuras dos outros, se a minha a venci sozinha? Laura, que bem nos pode fazer viver de novo tudo o que não devíamos nunca ter vivido? Como pensas que suportaríamos novas culpas, novos remorsos? Não vês tu que já foi longe de mais este destino que nos trouxe ao silêncio de cada uma fechada na sua própria mansão de destroços? Verlanda está certa, o passado é só dos mortos!
Estou em paz, Laura. Aqui, neste canto perdido do mundo, não há desassossego que me possa vir. Respeitam-me o suficiente para não me deixarem só mas, sendo estrangeira, não se aproximam o suficiente para me magoarem. As crianças são rudes, mas aprendem com gosto. O único piano que existe perto é um velho piano desafinado, na igreja da vila próxima. Soam tão mal as notas que nunca tive a tentação de me aproximar para tocar. De resto, som de piano é coisa espúria nestes lugares de penedos e estevas, onde o amanhecer é que é uma sinfonia grandiosa de luz ardendo a terra e terra exalando no ar sons de corpo vivo agarrando os pés dos homens!
E vens tu falar-me em voltar? Vens tu fazer-me responsável pela loucura de Verlanda? Sou eu mais responsável do que qualquer outra de nós? Porque tenho que curar as loucuras dos outros, se a minha a venci sozinha? Laura, que bem nos pode fazer viver de novo tudo o que não devíamos nunca ter vivido? Como pensas que suportaríamos novas culpas, novos remorsos? Não vês tu que já foi longe de mais este destino que nos trouxe ao silêncio de cada uma fechada na sua própria mansão de destroços? Verlanda está certa, o passado é só dos mortos!
(to be continued...)