terça-feira, 4 de março de 2008

Sua Alteza Imperial


Glosando as diferenças entre povos encetadas pela Lizzie, depois da minha classificação dos ingleses como deslavados, trago uma boa notícia: mais vale deslavado e civilizado como os ingleses, do que grosseiro como os povos do norte da Europa.


Em 1451, o nosso rei Afonso V, homem delicado, culto e cortês, entregou em casamento sua irmã Leonor ao imperador alemão Frederico III. Às grandiosas festas que celebraram, em Lisboa, o casamento realizado por procuração, seguiu-se a partida da infanta, acompanhada de uma comitiva de 3000 pessoas que a levou ao encontro do seu esposo. Nessa comitiva ia um diplomata português chamado Lopo de Almeida, com o encargo de ir relatando por carta ao rei tudo o que se passasse na viagem, mormente o encontro com o imperador. Nas suas cartas, Lopo descreve pormenorizadamente a corte do imperador, a sua pessoa e os seus fidalgos alemães.

Diz que o imperador é um bananas: «nunca cuidei de ver homem tão pouco estar em seus pés, que somente a dizer-lhe um homem que se quer ir com sua mercê, nom lhe dá resposta senão que primeiro fale com três ou quatro do Conselho».


Além disso, é avarento: «Juro-vos Senhor que ele é muito escasso, sem nenhuma comparação e avarento, e vereis que fez: ele queria comprar em Florença um damasquim de brocado branco e mandou-o vir para o ver e esteve regateando com os homens de Cosme de Medicis mercador, de guisa que não chegaram a acordo e eles foram-se com o pano; a cabo de espaço, mandou dizer a Cosme que aqueles seus homens estavam muito caros com aquele pano e rogou-lhe que lhe fizesse dele um bom preço. E o dito Cosme disse aos seus homens que bem sabia ele o mercado que o imperador queria e mandou que lho levassem de graça; e ele tomou-o e não se importou! A nenhum destes vossos fidalgos que se despediram dele não deu um só ducado, nem um pão, nem a mim !». A prodigalidade para com os servidores era uma das maiores virtudes dos senhores civilizados do sul.


Diz que os alemães são rudes como selvagens: ao receberem a nova imperatriz «assentaram-se em um banco com uma alcatifa, sem o vedor ter cuidado de prover onde havia de estar a infanta, nem lhe fazer pôr ali um pano de brocado ou de seda, de que tantos lhe destes; e assim outros desaviamentos e bestearias, que cada hora fazem como canários», ou seja como os selvagens habitantes das Canárias, descobertas há pouco tempo.


Não sabem pôr uma mesa: «achámos a mesa posta que não lhe chegavam as toalhas ao cabo e ficava descoberto da mesa acerca de dois palmos, e puseram primeiro quatro ou cinco coutos de pães de cera por castiçais na dita mesa e parece que viram que não estava como devia e trouxeram um castiçal de prata que parecia de ferro e tiraram os que estavam nos pães».


São pouco asseados: chegando o imperador para almoçar com outros fidalgos alemães, lavaram as mãos «em pé, em tal maneira que não pudemos enxergar se lavaram ou não».

Depois de muitas outras descrições desdenhosas, eis o diagnóstico final do Lopo: «Não tomem os vossos oficiais daqui ousadia, porque estes homens são bárbaros e bestas, mas tomem do bom servir dos vossos reinos e dos de Inglaterra e de França, que são reinos de homens e não de bestas».