sábado, 13 de março de 2010

Sim ?


Talvez...

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Hamsa


Esta é a mão de Fátima. Fátima Zahra (a luminosa), a filha preferida do profeta Maomé e da sua primeira esposa, Khadija. Não sei o que pensavam as outras filhas e as outras esposas desta preferência e acredito que ao pai e esposo tal coisa não tiraria o sono. Um homem deve ter várias esposas e tantos filhos quantos puder.

No entanto, há talvez sentimentos profundos, comuns a todos os homens, que nem as mais severas revelações de Deus conseguem apagar.

Fátima foi casada pelo pai com Ali ibn Abi Talib, que se tornou o quarto califa. Houve dois outros rapazes, Abu Bakr e Omar, que foram recusados por Maomé quando a pediram em casamento. Estariam todos três apaixonados por ela ou cobiçariam apenas a honra de serem genros do profeta? E ela? Qual dos três teria escolhido, se tal liberdade lhe tivesse sido dada?

De entre as irmãs, só Fátima teve filhos e isso foi, certamente, uma bênção de Alá. Mas o seu casamento com Ali foi profundamente infeliz. Parece que Fátima tinha as suas próprias opiniões e às vezes discutia com o marido. O pai profeta intervinha sempre em favor da filha e esforçava-se por reconciliá-los. Talvez Ali sentisse que precisava de uma mulher mais dócil, por isso pensou em procurar uma segunda esposa, como o seu sogro recomendava. Curiosamente, apesar de ele próprio ter várias, Maomé impediu o genro de usufruir dos prazeres da variedade nocturna, dizendo-lhe:

- Fátima é parte de mim e quem a ofende ofende-me a mim.

O Ali deixou-se de ideias. Nesta parte da história acho o Maomé mesmo simpático. O que me custa a perceber são as suas contradições. Afinal as mulheres muçulmanas sentem-se ofendidas por terem de partilhar os maridos? Afinal os pais muçulmanos também têm vontade de defender os sentimentos das filhas? E porque é que esse privilégio só foi concedido à filha do profeta?

Fátima é vista pelos muçulmanos como Maria pelos cristãos. Mulher, mãe e filha perfeita, ela é o modelo do comportamento feminino. Herdou também muitos dos atributos das antigas divindades femininas semitas (daí o ser luminosa) e por isso a sua mão (hamsa) protege contra o mau-olhado e é usada como talismã, tal como a mão de Miryam (irmã de Moisés) entre os judeus.

Quando passeamos pelas nossas terras (sobretudo a sul) encontramos muitas vezes portas com batentes em forma de mão, às vezes delicada como a do post anterior, às vezes mais normalizada:


Encontramos também muitas aldrabas, em forma de mão estilizada, como esta:




Pensamos provavelmente que a forma de mão alude ao facto de serem objectos onde pomos a nossa mão ou que substituem a nossa própria mão a bater à porta. Nada mais falso. Os batentes em forma de mão e as aldrabas foram trazidos pelos mouros e não são mais do que hamsas com que pretendemos afastar o mau-olhado das nossas casas.
No norte de África há portas onde se vêem duas aldrabas, embora seja óbvio que só uma chegava bem para bater à porta:




A espessura de cada uma é diferente e por isso produzem sons diferentes. A da esquerda é para as mulheres e a da direita para os homens. Assim, quando alguém bate à porta, sabe-se logo se é um homem ou uma mulher e evitam-se os graves inconvenientes que podem resultar de uma mulher da casa ir abrir a porta a um homem de fora.
Espero que haja por lá muitos jovens apaixonados que tenham suficiente imaginação para usarem a aldraba da esquerda quando querem ver as suas amadas. Aposto que Fátima, onde quer que esteja, os compreenderá e lhes enviará a sua benção.







domingo, 24 de janeiro de 2010

sábado, 19 de dezembro de 2009

Crónica de boas intenções

Nesta quadra de paz e amor, juro que queria mesmo escrever sobre coisas bonitas que não suscitassem polémica. Imaginar os meus amigos visitantes a lerem-me de lágrima ao canto do olho e a incluirem-me nos seus votos benévolos de felicidade para os próximos 365 dias.



Para facilitar a inspiração, instalei-me na esplanada da minha rua, cheia de sol e de folhas de plátano cor de mel, onde as pombas vêm colher as migalhas sobre as mesa. Cenário propício. Mas não consegui ficar mais do que o tempo de beber um café. O termómetro do outro lado da rua marcava 6º e comecei a tremer de frio. Lembrei-me de que tenho de ir às compras. Não tenho camisolas suficientemente quentes para estas temperaturas inusitadas. Estava habituada a invernos mais amáveis. Parece que a culpa é da poluição humana, que está a desequilibrar o termómetro. Mas também leio nalguma imprensa que não é verdade e que há cientistas que têm dados que contrariam as "teorias catastrofistas”. Gostava de saber quem são esses cientistas e quais são esses dados mas isso não dizem.




Felizmente os políticos estão lá em Copenhaga – pensei, animada – enquanto subia as escadas a correr (para aquecer) e um deles até ganhou o Nobel da Paz, por isso as coisas vão-se resolver.




Liguei a televisão e estava a dar uma reportagem na Noruega, onde um agricultor dizia que por ele tudo bem, o aquecimento global dava-lhe jeito, estava farto de tanto frio e já podia cultivar alfaces e laranjas, coisa que o gelo norueguês não lhe tem permitido. Acha até que o aquecimento vai trazer mais turistas à Noruega.



Por essa altura já tinha ligado o aquecimento e as mãos começavam a desentorpecer. Mudei de canal para ver qual ia ser a temperatura máxima. A pivot das Notícias estava com cara de caso e contou que afinal não havia avanço nenhum nas negociações de Copenhaga e que ficava tudo adiado por mais um ano porque a China e os Estados Unidos estavam de acordo em não assinar nenhum acordo. Para chegarem a essa conclusão – pensei eu com os meus botões – escusavam de ter gasto tanto dinheiro e emissões poluentes a irem lá. Não podiam ter mandado um email?





Mudei outra vez de canal mas as notícias não eram melhores. Fiquei a saber que, no próximo ano, vão subir-nos o preço da electricidade. Paciência, suspirei, é a crise... teremos de gastar menos... Mas logo a seguir fui surpreendida pela explicação: parece que, como este ano consumimos menos electricidade, a EDP perdeu receitas e assim vê-se na necessidade de subir os preços. Então não é o que nos pedem, que gastemos menos? Quer dizer, portanto, que, quanto mais pouparmos e menos recursos gastarmos ao planeta mais caro nos fica?!?

Desculpem lá... a tal escrita, sobre coisas bonitas e comoventes, vai ter de ser adiada... talvez no próximo ano, quem sabe?...











domingo, 13 de dezembro de 2009

Manifesto Europeu

Vem este manifesto a propósito de uma conversa de amigos onde se discutiam diferenças civilizacionais e se declaravam as maravilhas alheias que nós, europeus, admiramos.

Muito a propósito, acaba de ser divulgado um estudo de cientistas da Universidade de Berkeley (http://dn.sapo.pt/inicio/ciencia/interior.aspx?content_id=1443174) sobre o factor determinante na evolução da espécie humana: a generosidade. Não a lei do mais forte, como deduziram os seguidores de Darwin, não a competição nem a eliminação dos mais fracos mas, pelo contrário, a capacidade de proteger os mais frágeis. A guerra não é, portanto, uma contingência natural do homem, à qual temos de nos conformar mesmo que não gostemos dela. Foi, portanto, a cooperação (das mulheres na recolha de alimentos e na criação das proles e dos homens na caça dos mamutes) que garantiu a sobrevivência dos grupos e a transmissão dos genes daqueles que, tendo menos músculos, sabiam como voltar a acender o fogo quando ele se apagava ou sabiam contar histórias ao serão para afastar o medo dos animais selvagens.




A ideia de que há civilizações mais evoluídas do que outras e que, por serem mais evoluídas, têm alguma coisa a ensinar às outras, é uma ideia que a velha Europa ocidental ainda alimenta em segredo, cheia de vergonha de o proclamar em voz alta. Compreende-se. Por causa dessa ideia, justificada por razões que assentavam na lei do mais forte, praticou a Europa muitos males: conquistou, explorou, sujeitou à força, destruíu.



Mas voltemos os projectores para o novo factor determinante da evolução. Qual é a civilização que hoje mais protege os não musculados? Onde nasceu a declaração dos direitos do Homem e os da criança? Onde se reconhece às mulheres igualdade de direitos? Quem está mais à frente na protecção dos deficientes, dos animais, no reconhecimento dos direitos dos homossexuais? Onde se elege como valores fundamentais a igualdade de oportunidades, o direito a pensar e falar livremente, a igualdade do cidadão perante a lei? A resposta é clara: na Europa ocidental e nos seus filhos mais legítimos (Estados Unidos, Canadá, Austrália, Israel).


Outras civilizações fascinam hoje a velha Europa, pela sofisticação da sua arte, pelo exotismo das suas culturas, pela emergência do seu poder económico... E os europeus estão naturalmente cansados da sua velha casa, que lhes parece monótona e fora de moda. E sempre gostaram de viajar (doutro modo não teriam tantos filhos) e de ver paisagens diferentes. Por isso encantam-se com as modas da manga japonesa, do budismo indiano ou da dança do ventre árabe. Muito bem. Tudo isso são distracções divertidas. Mas nada me levaria a render-me de admiração por terras onde faltam os valores fundamentais que fizeram da civilização ocidental a mais evoluída e admirável do mundo.


Estamos longe da perfeição? Estamos. Mas também estamos na linha da frente para lá chegarmos. Temos um passado cheio de atrocidades? Temos. Mas enquanto elas são o passado de que nos envergonhamos, para as outras civilizações são o presente de que se orgulham. Nem sempre pomos em prática os ideais que proclamamos? Nem sempre. Mas não desistimos deles como ideais e lá vamos tentando. Temos muito de que nos orgulhar e as outras civilizações muito que aprender connosco.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Condição amorosa


O amor, para ser amor, é incondicional. Dizem-me. Não acredito.

Mas se o digo, dizem-me que o digo porque nunca amei a sério. Lá está: para ser amor... tem de ser, senão não é amor.
Pois, mas quem o diz fala do amor dos outros e não se pode falar do amor dos outros, porque o amor não é uma célula no microscópio, que se possa observar à distância, vendo os outros padecê-lo, e nós, objectivos, a injectar-lhe reagentes cá de longe. O amor, para se falar dele, tem de ser daquele que se sente por dentro.

O amor – dizem-me também – não é paixão, nem sexo, nem nenhuma dessas afecções dos sentidos com reacções químicas e feromonas e alterações do ritmo cardíaco.
O amor – insistem em dizer – é outra coisa, que vem depois, quando as coisas correm bem, e que pode nascer de onde antes não o havia e que se rega, como uma flor. Disso a ciência não consegue dizer coisa que se aproveite, embora tentem uns senhores que se apresentam como psicólogos – dos quais desconfio muito. Mas esses, para manterem o crédito e poderem continuar a dar-se com a gente “séria” da ciência, preferem não falar de amor. Falam de afectos, que têm um ar mais rigoroso e distante, apesar de o seu ascendente, o affectus latino, significar estado de alma, disposição de espírito, sentimento, paixão ou vontade, tudo coisas vagas e objectivamente inapreensíveis.
Voltamos, portanto, ao amor. E de amor mesmo, com a palavra e tudo, só falam os poetas e os romancistas. E os heróis do cimena e do palco. Tudo ficção, tudo mentira. Não sei como fazem os actores para tão facilmente dizerem “Amo-te”, porque é uma palavra que ninguém diz facilmente, olhos nos olhos com alguém e sem se rir. Dizemos “Gosto de ti”. Alguns miúdos dizem “Curto-te bué”. Tudo eufemismos para fugir à palavra, pesada, que temos de dizer arredondando os lábios como se chupássemos um refresco por uma palhinha. Deve ser por isso que não a dizemos, para não parecermos ridículos. Não parece coisa de gente crescida.


Mas quando se trata de falar do amor generalizando, é fácil. Temos muitas frases prontas: “o amor não escolhe idades”, “o amor é cego”, “não há amor como o primeiro”, “quem ama perdoa”, “quem o feio ama bonito lhe parece”. Ah! E “o amor é incondicional”!
Também temos uma moral do amor. Dizem-me que “o amor é para toda a vida”. Mas também me dizem que devemos desamar quem não nos retribui o amor. Por aqui já se vê que o amor também está sujeito a ambiguidades éticas e que, se calhar, quem tinha razão era o Luís, que dizia que o amor é paradoxal (lembram-se?... o contentamento descontente, ferida que dói e não se sente e por aí fora...).
Toda uma ciência sobre o amor, afinal. Guardada no bolso, embalada a vácuo, pronta a usar como um lenço de papel perfumado com alfazema, em qualquer ocasião. Basta que o amor apareça. Sem condições. Amamos um mentiroso. Para toda a vida ou apenas se ele nos retibuir o amor?

sábado, 14 de novembro de 2009

Teias da memória

Depois de um longa tarde de espanador e esfregona epicamente em punho, sentei-me no meu sofá, confortavelmente, e puxei para mim o último romance barato publicado pela Sábado: Susan Sontag, O Amante do Vulcão.
Belo fim de tarde, sem ponta de pó à minha volta. Ah! que merecido descanso! Relanceei os olhos pelos cantos do rodapé e pelas sancas do tecto, satisfeita.

Mas... o que seria aquilo, ali no esconso vértice da parede mesmo à minha frente, junto à janela? Uma teia de aranha?! Como é possível, depois de tanta batalha?

E eis que me embala a voz da minha avó, por entre as chamas da lareira.


Era uma vez uma mulher que tinha duas filhas, e criou-as no asseio e na poupança para que não lhes faltassem bons partidos nem boas casas.
Quando elas casaram, a mãe disse-lhes:
– Daqui a um ano vou visitar-vos e quero ver todas as varreduras do chão e todas as lavaduras da loiça de um ano inteiro!
As moças lá foram, cada uma para o seu destino. Ao fim de um ano, a mãe foi visitar a primeira filha. Encontrou-a com o seu marido e uma criança ao peito.
– Onde estão as varreduras do chão e as lavaduras da loiça? – perguntou.
– Venha, minha mãe!
E mostrou-lhe um belo par de galinhas, que tinha alimentado com as migalhas que tinham caído no chão, e um porco engordado com os restos deixados na loiça.
– Muito bem, minha filha! – disse a mãe – vejo que és uma rapariga esperta e trabalhadora!
A seguir foi visitar a outra filha. Bateu à porta chamando por ela.
– Minha mãe? – gritou a filha lá de dentro – venha de pedrinha em pedrinha, não se atasque!
A casa estava submersa em lixo e a filha sentada num canto a chorar sozinha porque o marido a tinha abandonado. Quando a mãe entrou, disse-lhe ela:
– Vê, minha mãe, como fiz tudo como me disse?...


Os contos populares são umas coisas perversas e cruéis. Porque contavam estas coisas às crianças? Abanei a cabeça suspirando, instalei-me melhor no sofá e abri o livro.

Espera lá ... para que poderá servir uma teia de aranha?