domingo, 22 de junho de 2008

Figos depois da queda

O pai de Luciana era caçador de rios.

Clarissa explicava:
Nosso Senhor fez Adão e Eva e queria pô-los no jardim mais bonito do mundo. Então mandou nascer numa eira um jardim de laranjeiras todo rodeado de estevas e mimosas e urze e recheado de rosmaninho que era um regalo para quem passava a aspirar a fresca da tarde.
No meio do jardim havia uma figueira de S.João mas que dava figos todo o ano, gordos e roxos, a deitar mel em fio pelo olho quando caíam ao chão de maduros.
Mas nesses, disse Nosso Senhor, não podem tocar, só numas laranjas e um ou outro morango que nasça e, vá lá, uns medronhos.
Para não terem sede, que é uma míngua bem pior que a fome, Nosso Senhor fez quatro rios a nascer de um poço que havia no jardim. Antes de chegar aos muros do jardim, os rios metiam-se pela terra dentro e depois, cá fora, saíam outra vez e voltavam a entrar e assim iam pela terra toda os quatro rios, ora por cima da terra ora por baixo, de maneira que parecia que havia muitos rios mas a verdade era que só havia aqueles quatro que às vezes se escondiam. Por isso era preciso caçá-los, quando andavam escondidos.
É claro que primeiro Adão e Eva não sabiam nada disto porque estavam lá fechados no jardim e não podiam sair. Passavam as manhãs a comer laranjas, as tardes a comer morangos e medronhos e as noites a ver cair no chão os figos lampos madurinhos, a esborracharem-se cá em baixo num fio de mel desperdiçado.
Só depois é que vieram a descobrir esta história dos rios que era preciso caçar quando eles não andavam cá em cima.

As varinhas dos vedores, caçadores de rios, são ramos daquela figueira, que Eva trouxe do jardim quando teve de abalar por ter decidido acabar de uma vez com aquele desperdício dos figos.

Nosso Senhor não gostou que os tivessem comido e disse ao Adão e à Eva que, já que era assim, que fossem comer todos os figos que quisessem mas fora do jardim onde os tinham à mão de semear. Tinham que ir à procura deles numa terra onde os rios se escondessem e fosse preciso caçá-los.



Sentados no poial, Maria e Luciana ouviam a história de Clarissa, os punhos e os cotovelos escorrendo sumo de melancia comida às talhadas e os olhos muito abertos:

­- E depois...?