quinta-feira, 31 de julho de 2008

A Casa de Hércules. 2. «Não entrarás!»

Quando o Conde anunciou a sua filha a decisão de a enviar à corte, Lataba quisera dizer porque não. Mas não podia expor as suas razões. Não chegara a hora por que Ricardo esperava. Viera ele a Ceuta trazendo nos ouvidos as notícias da sua beleza, deixara ele o seu pequeno reino de Brapaquedo, onde o rei seu pai lhe consentira que partisse à aventura, em busca de fortes aliados. Ricardo chegara havia ainda poucos meses, servira Julião na guerra contra os mouros e a ninguém deixara saber a que varanda se encostava ao fim da tarde, quando Lataba se recolhia a repousar acompanhada apenas pela sua leal amiga Alquifa. Só ela testemunhara as promessas do jovem cavaleiro, que jurara servir o pai até que a recompensa merecesse ser a mão da filha.
Donzela sagaz, Alquifa! Cumprida da boa sensatez Deus deu às mulheres, coube-lhe nessa tarde tomar as mãos da amiga e mostrar-lhe como um pouco de espera em nada diminuiria os planos dos dois namorados. Foi ela que se encarregou de transmitir a Ricardo a notícia da partida da sua amada, esforçando-o a que preseverasse no serviço do Conde para que tão depressa quanto uma donzela leva a aprender a dançar pudesse oferecer-se-lhe como o esposo poderoso e nobre que dispensaria Lataba de permanecer em Toledo. Animada por esta esperança, a filha do Conde consentiu na partida, disposta a tudo fazer para ser à rainha Eylata a mais doce e agradável donzela da sua corte.


- Senhor – disse o primeiro dos anciãos, aproximando-se do trono – nós aqui somos vindos trazer-te esta chave, com que deves cumprir o teu dever de rei da Hispânia.

- Que chave ? – inquiriu Rodrigo, olhando-a sem entender.

- Esta – disse o ancião – é a chave do cadeado que te cumpre na casa de Hércules.

E vendo que o rei o não entendia, dispôs-se a contar-lhe como Hércules, Senhor da Grécia, conquistara e povoara, em tempos muito antigos, a Hispânia. Expulsanado os maus inimigos da terra, trouxera-lhe ele o nome de terra de bem, povoara-a de gentes calorosas e inclinadas à verdade. Depois, em grande segredo, construira sozinho uma casa em Toledo, fechando-a com um cadeado, e entregara a chave aos doze homens mais sábios do povo, dizendo: «Que ninguém abra nunca a porta desta casa!»

- ... e todos os reis depois juntaram a este cada um o seu cadeado. E partiu para a Grécia! E sabe, Senhor, que esta casa é tão subtil que não há quem saiba dizer-te como foi feita, porque é toda redonda como uma bola e de tal tamanho que se sobre ela atirares uma pedra não a verás cair do outro lado. E assenta somente em quatro grandes leões de ouro, de tal maravilha que não saberíamos hoje fazer outros iguais. E é toda coberta por pedras mármores cada uma de sua cor, tão pequenas que nenhuma é maior do que o punho de um homem e de tal feição ajuntadas que ninguém pode dizer onde começa uma e acaba a outra. Todas juntas figuram as mais nobres cavalarias de que ouviste falar. Não que lá tenham sido pintadas com tinta mas porque as próprias pedras nos contam as histórias. Não tem janela nenhuma mas tão só uma porta pequena, com letras entalhadas que dizem assim: «Eu proíbo que alguém, por muito ousado que seja, hoje ou amanhã, abra esta porta e mando a todos os reis que a defendam como eu defendi».


- E o que tem dentro essa casa? – perguntou Rodrigo.

- Ninguém sabe – disseram os anciãos – Porque todos os reis antes de ti cumpriram o mandado de Hércules. E hoje é a tua vez.

Rodrigo olhou pensativamente a chave acabada de forjar que lhe ofereciam. Por fim disse:

- Amanhã lá irei vê-la e logo saberei se é coisa em que haja de pôr o meu cadeado. Pois que casa tão bem guardada não pode ter dentro senão um grande tesouro ou um grande segredo. E se segredo é, eu o desvendarei e, se é tesouro, a mim pertence, que sou o rei!

Os velhos bem lhe disseram que não fizesse tal coisa mas antes seguisse o exemplo dos bons reis de Espanha. Rodrigo, porém, despediu-os com um gesto, sem mais conversa.

Na manhã seguinte, a visita teve, porém, de ser retardada, porque ao palácio chegou notícia da vinda de uma frota de Ceuta subindo o Tejo. Era Julião, que, com grande séquito de vassalos, trazia sua filha Lataba, que se fazia acompanhar da sua amiga Alquifa.




(Continua...)