terça-feira, 26 de junho de 2007

A caminho do futuro


Todos os dias abria os jornais para ler o horóscopo. Conhecia bem os astrólogos residentes de cada um e comparava as respectivas profecias e recomendações. Às vezes coincidiam, às vezes contornavam-se delicadamente, oferecendo assim, no conjunto, um panorama muito mais vasto do futuro. Por vezes colidiam descaradamente, sem o menor respeito pela coerência do universo. Nessa altura exclamava: - Olha, o Professor hoje está mal disposto! Logo ele, que costuma ser tão auspicioso! - E fazia fé nos outros, nos que tinham acordado felizes, porque – acreditava – a boa-disposição é fundamental para o futuro correr bem.
Depois do pequeno-almoço, repostos os jornais na barra suspensa do café, partia com a alegria doseada, a gastar prudente e paulatinamente ao longo do dia. O trabalho na agência de publicidade era agradável. Construía sonhos e planos para a vida dos outros, imaginava-os felizes, conduzia-os por metáforas coloridas. Quando tinha de declarar a sua profissão em encontros sociais nunca dizia «Publicitária», dizia sempre «Criativa», consciente de que ficava sob o abrigo dos neologismos tecnocráticos do capitalismo. Achava-lhes graça, aos neologismos, e à arte de os inventar. Apressava-se a lembrar, quando via alguns narizes levemente torcidos de superioridade filosófica: «Como o Pessoa…»; e pensava «Comunistas!...».
Ultimamente andava mais feliz. Apaixonara-se. Primeiro não queria acreditar, mas depois, vendo a persistência do Afonso, os telefonemas diários, os olhares insistentes, rendera-se à evidência: estava apaixonada. E entregara-se à dança de encontros diários e aos fumos inebriantes da paixão. Combinavam mesmo fazer, na primeira série de feriados que permitissem uma ponte, a viagem que há muito desejava. Cuba ou Brasil ou República Dominicana. Via-se a tomar uma piña colada na beira de uma piscina azul sob um céu azul e antecipava a brisa quente da tarde a remexer-lhe os cabelos enfeitados de flores por entre os beijos ardentes do Afonso. Não era tão musculado como o modelo que fizera aquele anúncio da agência de viagens mas tinha um sorriso mais bonito.
Agora que tinha um namorado podia fazer planos, valia a pena, investia na relação sem correr demasiados riscos. Nada de casar, como as amigas. Não lhe apetecia entrar já na roda-viva de fraldas e contas comuns. Abrira generosamente espaço para uma muda de roupa dele no seu roupeiro mas mais do que isso tinha tempo, sem pressas…
Estavam quase a dar-lhe, na agência, um grande projecto. Mostrara as competência necessárias e conseguira-o sem hostilidades com os colegas. Tinha a arte de se fazer admirar e o seu perfil era reconhecido. O director sorria-lhe todas as manhãs e várias vezes o surpreendera a lançar-lhe olhares laterais quando tinham de tomar decisões importantes. A adesão dela contava, se franzia o sobrolho ele anunciava prudência e – ela sabia - interiormente agradecia-lhe por não se evidenciar.
Estacionou o carro na garagem do edifício e subiu no elevador. O grande projecto que se anunciara deveria já ter chegado à agência. Reviu mentalmente os dados do negócio, passara a noite a pesquisar na net a empresa que propunha a campanha. Sorriu no preciso momento em que chegava ao seu andar. A confiança é meio caminho andado, dizia a si própria, e procurou na pasta o dossier que reunira sobre a empresa. Apercebeu-se de que se esquecera dele no carro e soltou uma exclamação de contrariedade. Estava tão distraída com as contas de cabeça ! Deu meia volta e entrou no elevador ao lado daquele de onde tinha saído. Estava no andar e de porta aberta, mesmo pronto para a levar mais rapidamente de regresso à garagem. Ainda ouviu exclamações no momento em que carregou no botão. A descida rápida do elevador não lhe permitiu perceber o que diziam os gritos. Num segundo tudo se precipitou no seu cérebro. Interrogou-se sobre a porta que não tinha fechado como devia, viu o papel colado no vidro «Fora de Serviço – PERIGO !», sentiu a velocidade vertiginosa com que o elevador descia e ouviu o assustador barulho de cabos e roldanas descontroladas. No último segundo, os seus lemas predilectos giraram em frente dos seus olhos em colorido slogan: não desprezar nenhum pormenor e saber esperar…
Foto: L Du Lac