sexta-feira, 22 de junho de 2007

MARIANA

- Aquela casa, avó, lá em cima na serra?
- Casa do Diabo, Mariana, não vás lá.
- Do diabo, avó, qual diabo?
- Menina, o iluminado, que trouxe luz às trevas, caluda, caluda, Mariana, não é casa, é covil.

- Aquela casa, tia Násia, lá em cima no monte?
- Casa maldita, Mariana, não olhes para lá.
- Maldita, tia Násia, maldita por quem?
- Menina, castigada por Deus, ferida pelos anjos, silêncio, silêncio, Mariana, não é casa, é inferno.

- Mãe, que casa é aquela, além na colina?
- Mariana, és tão menina, filha, que te interessa aquela casa?
- Quero saber, mãe, fala-me do diabo e de deus.
- Era a casa de Lilith, minha filha.
- Quem é ela?
- Está longe, recolheu ao mar, ao seu leito de águas. Deus deu-lhe aquela casa na terra para que Lilith se arrependesse.
- Se arrependesse de quê, mãe?
- De ter colhido o fruto, de ter olhado Deus na sua face, de lhe ter pronunciado o nome.
- E depois, mãe?
- Deus é misericordioso, Deus é bom, deu-lhe uma casa na serra para que Lilith tivesse filhos e renunciasse aos frutos. Mas Lilith chamou o Diabo e dele concebeu uma filha e um filho e eles viviam nas trevas, nasceram sem olhos por castigo de Deus. Então o Diabo perdeu a luz porque os seus filhos foram cegos. Mas Lilith tinha o saber, Mariana, e foi à árvore e trouxe um fruto e deu-o a comer aos filhos. E viram a luz e maldisseram Deus e o Diabo iluminou a casa e ela brilhou na colina.
- E deus, mãe?
- Deus é dono da última palavra, filha. Deu-lhes o último castigo: fez da luz que havia na casa do monte uma luz tão forte que se tornou fogo e consumiu nas chamas a casa e os filhos de Lilith. Lilith fugiu para o mar, lá é senhora e mãe de filhos que não podem arder.
- E a árvore, mãe?
- Ainda lá está, Mariana, nunca mais ninguém a viu porque ninguém sobe a colina, mas ainda lá está. Não vás lá, filha, não olhes, que o olhar te cega e a subida te queima.
- Que pena, minha mãe, e a que sabe o fruto?
- Não sei, ninguém sabe, não perguntes que é pecado e o teu nome é Mariana!


- Aquela casa, tia Násia, lá em cima no monte, aquela casa, avó, lá em cima na serra, fui lá ontem, mãe, à casa de Lilith.
- Que dizes, menina, que mentiras são essas?
- É verdade, estive lá, vi a árvore, vi o fruto e colhi-o.
- Menina, enlouqueceste?
- Não, provei o fruto, avó, é tão doce, tia Násia, e mata a sede, minha mãe!
- Cala-te, Mariana, que é desgraça o que dizes!
- Vi a face de deus, mãe, e deus não tem face e só ela o soube e o diabo, tia Násia, o diabo é a face de deus.
- Calem essa menina, fechem-na no quarto, que não está boa, tirem-lhe a língua, tirem-lhe os olhos, queimem-na, que arda em chamas Mariana!
- Mariana? O meu nome não é Mariana.

Foto: Lara Pires