quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Peixe Voador

Diziam-lhe: «Nunca mais tens juízo!»
Fingia que não ouvia e sentava-se num canto a olhar para cima, para onde o sol produzia mil cores brilhantes, a calcular mentalmente quantas vezes por minuto seria preciso bater as asas para voar de uma árvore a outra.

Não percebia muito bem o que queriam dele. Qual o juízo que devia ter? Todos pareciam ver perfeitamente o caminho que seguiam, traçado por rectas e curvas invisíveis mas que estavam lá, levando-os a um incessante rodopio cheio de significado. Ele, pelo contrário, tinha dificuldade em escolher o caminho. Tudo lhe parecia mais ou menos indiferente, mais ou menos igual.

Gostava de certos pensamentos que lhe ocorriam sem querer. Parecia que a sua cabeça às vezes trabalhava sozinha e ficava ligada incansavelmente. Nessas alturas nunca ouvia o que lhe diziam e esquecia-se das coisas que era preciso fazer, como dizer «Bom dia» quando se cruzava com alguém ou sorrir adequadamente para demonstrar satisfação ou olhar os outros nos olhos para lhes assegurar que estava tudo bem. Era então que costumavam achá-lo estranho, ficavam a olhá-lo calados e embaraçados sem saber o que dizer.



Percebeu muito cedo que embaraçava os outros. Por isso, com o tempo, habituou-se a pedir desculpa e a tornar-se explícito: «Não o ofendi, pois não?», perguntava. Assim desarmava-os e desembaraçava as situações complicadas. Abriam-se sorrisos que pareciam indicar que aquela pergunta também não era muito adequada mas pelo menos era tranquilizante.

De qualquer modo já tinha desistido há muito de perceber o que era ou não adequado.


Ouvira um dia baixinho uma coisa quando falavam dele: «Síndrome de Asperger». Percebeu que essas palavras deviam ter muita importância mas, mais uma vez, preferiu fingir que não tinha ouvido e pôs-se a calcular quantos metros mediria o prédio mais alto que avistava da janela.




Um dia iria voar. Só não sabia ainda como.